quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

“Te no uchi” (dentro da mão)


Por Hakaru Mori, Takumakai Somucho

Hakaru Mori (8º dan) Diretor de Assuntos gerais do Takumakai. Nascido em 1931, Mori começou a praticar Daito-ryu Aikijujutsu com Takuma Hisa em 1962. recebeu kyoju dairi certificado em 1965 e 8º dan em 1973.

Termo japonês “te no uchi”, grosseiramente traduzido como “palma da mão” ou “dentro da mão”, tem uma variedade de significados e usos. Um deles se refere às maneiras pelas quais armas como espadas e arcos poderiam ser seguros e empunhados de forma a tornar seu uso efetivo. Essa destreza em tomar e empunhar tem sido sempre considerada fator particularmente importante, influenciando a habilidade total (ou falta dela) com armas, e seus segredos têm sido transmitidos através de gerações em máximas como “...como se tivesse modelando doces com um pano de prato”, ...”com a atitude de segurar um guarda-chuva”, e “como se segurasse um ovo na palma da mão”. Expressões como essas foram cuidadosamente concebidas por nossos ancestrais para descrever os importantes pontos sobre o apropriado “estado de espírito” quando se empunha uma arma e a adequada relação entre a palma da mão e a empunhadura da arma.
Aprender como segurar e empunhar uma arma apropriadamente pode parecer, à primeira vista, um assunto extremamente simples, mas na verdade ele pode se tornar surpreendentemente difícil. O verdadeiro domínio das sutilezas envolvidas não pode ser obtido em pouco tempo e é invariavelmente considerado como algo que envolve toda uma vida de prática e aperfeiçoamento. A dificuldade é que os detalhes mais importantes se localizam dentro da mão, fora da vista, tornando difícil sua identificação somente através do olhar.
Essa idéia de “oculto na palma da mão”, incidentalmente, tem também dado a língua japonesa muitos outros significados idiomáticos para “te no uchi”, como por exemplo “uma perícia ou capacidade oculta” e “uma intenção verdadeira”. Em qualquer caso, “te no uchi” é naturalmente um importante aspecto da técnica da mão armada, e no Daito-ryu, como descreverei mais adiante, o que nós muitas vezes consideramos não é necessariamente nosso próprio “te no uchi”, mas ao contrário, do nosso oponente. Como muitos estilos de jujutsu, Daito-ryu é rico em técnicas de mãos vazias (em oposição à armada) que confia no controle do corpo de seu oponente de maneira a causar algum efeito, tais como um arremesso ou uma queda. Obviamente isso requer uma “pegada” no corpo de seu oponente, seja ele qual for. Naturalmente há maneiras específicas de se fazer isso e, como no aprendizado de empunhar uma arma, elas não são necessariamente tão fáceis de serem dominadas.
Além disso, como mencionei em recente artigo, no Daito-ryu essa “pegada” tem duas dimensões possíveis, uma envolvendo sua pegada em seu oponente e a outra envolvendo uma pegada de seu oponente em você. No primeiro caso, sua pegada em seu oponente, você segura alguma parte do corpo do seu oponente no processo de se posicionar para aplicar uma técnica, e apesar de apresentar diferenças no objetivo e no método, a “te no uchi” usada para isso apresenta pontos de similaridade com a “te no uchi” usada nas técnicas com armas.
O outro tipo de “pegada” obviamente ocorre na situação contrária, quando seu oponente segura alguma parte de seu corpo, como é muitas vezes o caso em artes marciais do tipo “grappling” como o jujutsu. Nestes casos, nós deliberadamente não nos esforçamos para nos livrar da pegada do oponente, e na verdade tiramos vantagem disso usando a pegada para executar uma técnica. Esse é um dos mais importantes princípios que norteiam a resposta do Daito-ryu para uma grande variedade de ataques com pegadas, tais como sodedori, eridori, ryotedori e katatetori e as técnicas resultantes demonstram uma sutileza que é uma das características mais marcantes do Daito-ryu.
Naturalmente, uma vez que é seu oponente que está segurando em você, neste caso, a “te no uchi” que você precisa considerar não é a sua, mas sim aquela do seu oponente. Para técnicas contra pegadas em suas mãos ou punhos (ryotedori, katatetori, etc) em particular, seu punho está preso contra a palma da mão de seu oponente, dentro de seu “te no uchi”, como mencionado. Há vários meios e maneiras que você pode usar para mover sua mão quando mantida nesta posição, e se você aprende e integra esse conhecimento a sua técnica, você tem então a base para desenvolver “técnicas de aiki”, que são realmente elegantes e sutis de uma forma que distintamente caracteriza o Daito-ryu. Estas formas de mover sua mão enquanto se acha presa na pegada de seu oponente, e o subseqüente “kokyu” que elas envolvem são o que eu tenho denominado “te no uchi”.
Por exemplo, um oponente prendendo seu punho está na aparente posição vantajosa de poder controlar o movimento de sua mão. Mas, se você tiver dominado “te no uchi”, quando você aplicar sua defesa ele subitamente perceberá que, apesar de sua aparente vantagem, naquele momento é ele quem está sendo controlado por você e que ele está cada vez mais impossibilitado de manter a pegada em seu punho. Em outras palavras, o atacante se vê controlado através da mão que está prendendo seu punho.
Neste caso, o único ponto de contato atual entre você e seu atacante é aquele entre o dorso de seu punho e mão e a palma da mão dele. Deste modo, sua única opção para manipular o corpo do atacante é de alguma forma mover o dorso de sua própria mão, ainda que ela esteja presa na pegada. Você pode fazer isso aprendendo como transferir sua energia através de áreas fisiologicamente fracas no interior da mão do oponente, estimulando-o a se mover até uma posição em que, devido a sua estrutura física, impossibilita-o de soltar facilmente sua mão. Então você continua usando o dorso de sua mão para transferir sua energia através de sua palma para seu cotovelo, ombro e daí para o interior de seu corpo como um todo dando a você um efetivo controle do movimento e do equilíbrio do seu oponente.
Uma vez que a área atual do contato direto criado é fugaz – e os pontos específicos em que você pode agir de maneira a controlar todo o corpo do oponente continuam pequenos – os movimentos tendem a ser muito pequenos e sutis, e conseqüentemente difíceis de perceber e entender.
Sem exceção, qualquer um que tenha assistido a uma demonstração de Takumakai ou praticado em um de nossos dojos, certamente estará acostumado com a visão de um atacante sendo subitamente erguido ou abaixado, como se atingido por uma descarga elétrica, e facilmente movimentado antes de ser levado ao solo, isso tudo sem que lhe tenha sido possível soltar a pegada.
Como qualquer tipo de “te no uchi”, esse controle de um oponente, uma vez que ele está agarrado a você, envolve uma certa dose de destreza, técnica e métodos altamente refinados. A sutileza destes métodos não facilita em nada o seu aprendizado, e por esta razão – e também porque seus professores raramente colocam seus princípios em algum tipo de termo concreto – há ainda muito poucas pessoas que os tenham dominado. Mas aquele que conseguir compreender como trabalhar com “te no uchi” verá que sua compreensão das técnicas de aiki do Daito-ryu crescerá súbita e rapidamente, até o ponto em que não importará mais o ponto em que ele seja tocado ou agarrado, para que somente um pequeno movimento de corpo no ponto de contato lhe permita executar uma técnica de arremesso ou queda sem que tenha que se livrar da pegada de seu oponente antes. Esse uso do “te no uchi” é um aspecto essencial do Daito-ryu e uma importante lição para aqueles que estão se esforçando em dominá-lo.

Fonte Aikido Journal

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