domingo, 14 de novembro de 2010

Entrevista com Hiroshi Tada

por Stanley Pranin


Aikido Journal #101 (1994)

Traduzido por Christiaan Oyens




Hiroshi Tada, 9º dan




AJ: Sensei, é verdade que o senhor começou a prática do aikido depois de ingressar na universidade de Waseda?


Tada Sensei: Sim, por causa da guerra não foi possível me inscrever no dojo até março de 1950.

Soube que o senhor treinou primeiro karate ao ingressar na universidade e só depois se sentiu atraído pelo aikido…


Na verdade não treinei muito karate, se bem que tenho um grau de dan. A princípio praticava ambas as artes, mas eu comecei a dedicar mais tempo ao aikido e ficou impossível de treinar as duas artes. Não é que eu tenha achado uma arte melhor que a outra, a questão era que admirava tanto Morihei Ueshiba Sensei. Eu o conhecia desde a minha infância.


Em 1942, eu estava em Shinkyo (hoje em dia Chan Chun, Manchuria), mas tinha acabado de perder a apresentação de Ueshiba Sensei na famosa Décima Exibição de Artes Marciais da universidade de Kenkoku. Meu primo, que é um ano mais velho do que eu, me disse que foi uma demonstração fantástica. Aparentemente quase ninguém conseguia receber ukemi de Ueshiba Sensei. Não estavam apenas sendo arremessados, era como se estivessem sendo eletrocutados por uma grande descarga elétrica.


Na quarta edição do Aikido Tankyu [uma publicação do Aikikai Hombu Dojo] o senhor escreveu que se sentia surpreso e impressionado pelos pensamentos inusitados de Ueshiba Sensei.


Eu tinha vinte anos ao ingressar no dojo e Sensei tinha sessenta e sete, uma diferença de uns quarenta e sete anos. Mas ele me arremessava com tanta facilidade, mesmo quando o atacava com toda força, que nesse sentido não se notava qualquer diferença de idade entre nós. Hoje acho isso compreensível, é claro.


De qualquer maneira, ele tinha uma presença singular e era repleto de uma energia incomum. Eu senti que tinha encontrado um verdadeiro especialista nas artes marciais.


O fundador do aikido Morihei Ueshiba arremessando Tada, c. 1958


Ingressou no Tempukai na mesma época que começou o aikido?


Quando ingressei no Hombu Dojo, a maioria dos praticantes eram membros do Tempukai ou do Nishikai. Claro que naquele momento só tinham seis ou sete pessoas no dojo. Entre eles estavam Keizo Yokoyama e seu irmão mais novo, Yusaku, ambos sendo estudantes da universidade de Hitotsubashi. Yusaku passou os últimos dias da guerra na academia naval e entrou na universidade após o termino da guerra. Foi ele que me apresentou ao Tempukai e ao Ichikukai. Depois outra pessoa me ensinou sobre os exercícios de jejum. Estas práticas, associadas aos ensinamentos de Morihei Ueshiba Sensei, formaram a base do meu treinamento.


Fui apresentado ao Tempukai em Junho do mesmo ano que ingressei no Aikikai. Tempu Nakamura Sensei ministrava reuniões de estudo mensais no Templo Gekkoden de Gokokuji. Igual ao Aikikai, o Tempukai pouco fazia para se promover publicamente e as pessoas se ingressavam no Tempukai ao serem apresentadas por outros membros. Eu conheci Tempu Sensei e depois de ouvir o que ele tinha a dizer, aderi imediatamente.


Tempu Nakamura (1876-1968)


Ueshiba Sensei e Tempu Sensei se conheciam pessoalmente?


Sim. Foi antes de eu ter entrado no dojo, mas parece que tinham sido apresentados já há algum tempo pelo pai de Tadashi Abe, que era tanto um membro do Tempukai como aluno de Ueshiba Sensei. Inicialmente, o Tempukai era conhecido como Toitsu Tetsuigakkai (Sociedade Para o Estudo da União entre Medicina e Filosofia), e seu foco era a união entre mente e corpo. Eu participei de várias experiências do Tempu Sensei, então tive muito contato com ele.


Por quanto tempo foi membro ativo do Tempukai?


Até a minha ida para a Europa em outubro de 1964. Tempu Sensei faleceu em dezembro de 1968. Durante os meus seis anos na Europa, Morihei Ueshiba Sensei e Tempu Sensei, como o meu avô também, todos faleceram.


Ouvi falar que Tempu Sensei era um especialista com a espada.


Sim, ele era um expert em Zuihen-ryu battojutsu. Ele criou seu nome, Tempu, dos caracteres chineses “ten” e “pu” usados para escreverem a forma de Zuihen-ryu’s amatsukaze, algo em que ele era extremamente versado. Tempu Sensei era descendente do lorde Tachibana, o daimyo em Yanagawa. As artes marciais eram tão populares em Yanagawa quanto para o clã Saga de Kyushu, cuja reputação foi aclamada no livro intitulado: Hagakure [um texto clássico sobre o bushido, ditado por Tsunetomo Yamamoto em 1716]. O conteúdo singular das palestras de Tempu Sensei se dava pelo fato de ele falar mais de suas próprias experiências do que valorizar qualquer processo intelectual. Ueshiba Sensei agia da mesma forma. Idéias geradas no plano intelectual não têm o mesmo poder para atrair as pessoas.


Fale-nos, por favor, sobre o Ichikukai?


Um senhor chamado Tetsuju Ogura, era um dos últimos uchideshi de Tesshu Yamaoka. Durante o período Taisho, alunos e seguidores de Ogura junto com membros do clube de barcos de corrida da Universidade Imperial de Tókio (hoje Universidade de Tókio) criaram uma sociedade que praticava o misogi (ascetismo, rituais de purificação). Foi sob a direção de Masatetsu Inoue. No começo, o Ichikukai se congregava no dia 19 de cada mês, em comemoração à morte de Tesshu Yamaoka, falecido 19 de Julho, por isso o nome Ichikukai [ichiku em Japones significa “1 e 9,” i.e., 19].


Quando ingressei as reuniões aconteciam num dojo da era Taisho em Nogata-machi, Nakano. De quinta-feira a domingo nos sentávamos em seiza durante umas dez horas por dia, entoando uma passagem de um norito (prece Shinto), nos entregando completamente a esta tarefa. Era algo semelhante a recitar um mantra. Depois de passar por esta iniciação você se tornava um membro, aí podia freqüentar os encontros que ocorriam uma vez por mês, aos domingos. Ali eles faziam um exercício cântico chamado ichiman-barai, que consistia em tocar um sino de mão dez mil vezes. O som do sino não fica claro e pronunciado até o movimento da mão se tornar automático. Nas minhas aulas de aikido muitos dos meus alunos avançados fazem essa pratica.


O senhor treinou com o ken ou jo?


Houve um período em que O-Sensei ficava furioso com os alunos no dojo que tentavam treinar como o ken ou jo, e ele os proibia de usarem esta pratica. Porém, mais tarde ele começou a ensinar essas técnicas. Na minha infância eu tinha praticado arco e flecha japonesa que era tradição na minha família. Também pratiquei kendo no colégio. Isto foi durante a guerra, então não era uma disciplina esportiva. Depois quando comecei a treinar aikido eu praticava balançando o ken contra uma arvore perto da minha casa.


Treinamento individual é importante não importa a arte que você pratique. Você deve criar seu próprio programa de treinamento, começando por corrida. Aos vinte anos, e aos trinta também, eu me levantava todas as manhãs às 5:30 e corria uns quinze quilômetros. Após a corrida eu ia para casa e treinava golpeando com um bokken (espada de madeira) um monte de galhos amarrados. Naqueles tempos as casas em Jiyugaoka eram bem mais afastadas, então eu podia fazer barulho à vontade. Treinava usando a forma Jigen-ryu que tinha aprendido com O-Sensei em Iwama. Dizem que antigamente os guerreiros de Satsuma [em Kyushu] golpeavam trouxas de galhos dez mil vezes todos os dias, mas eu só conseguia umas quinhentas vezes, na melhor das hipóteses. No início, minhas mãos ficavam dormentes, mas depois de um tempo eu conseguia golpear uma arvore grande sem problemas. Fiz com que os meus alunos nas universidades de Waseda e Gakushuin treinassem desta forma. Acho este treino, um dos melhores para o aikido.


É claro que não é bom usar força física excessiva. Apenas segure o bokken, ou até um pedaço de pau feito de madeira verde suavemente e aperte com o dedo mindinho e o quarto dedo na hora do impacto. Será desenvolvida naturalmente a velocidade e a habilidade de apertar os dedos fechados corretamente. Este tipo de prática suave é importante, porque se você pratica usando força o tempo todo, você poderá acabar arremessando e aplicando as técnicas nas articulações com demasiada força, e isto pode ser perigoso.


Em Lido, Venezia, Itália, 1968


É lamentável que o espaço limitado nos nossos dojos modernos não permita mais este tipo de treinamento. Eu gostaria de aos poucos reorganizar as coisas a fim de tornar estes treinos mais accessíveis.


O que acabo de descrever é uma forma básica de praticar golpes, mas o trabalho dos pés, o movimento das mãos e o desenvolvimento de ki através de kokyuho são os elementos importantes do treinamento individual.


O senhor estudou Morihei Sensei e planejou seu método de treinamento baseado no que observou?


Sim. É muito importante observar o treinamento pessoal de seu professor nos mínimos detalhes e aprende-lo bem; caso contrário, você poderá tirar conclusões erradas e precipitadas e acabar perdendo seu tempo com treinos equivocados e sem sentido. De qualquer forma, você precisa revisar o que o seu professor lhe ensinou e criar algo que dê continuidade a estes ensinamentos, aí você deve praticar isto de novo e de novo até conseguir fazê-lo. Assim você criará seu próprio método de treinamento.


Eu acho que se você deseja se tornar um especialista no que faz – seja isto um tipo de arte marcial, esporte, algum tipo de arte ou o que for – você deve treinar pelo menos duas mil horas por ano quando você estiver com entre os vinte e quarenta anos. Isto significa cinco ou seis horas por dia. Depende de cada pessoa, mas a maioria do tempo será investida em treinamento individual. Depois de treinar só, você pode ir para o dojo para confirmar, experimentar e trabalhar tudo o que você adquiriu.


Usar uma arvore como seu parceiro num treino de aikido é uma excelente maneira de treinar com vigor porque você pode golpear com muito mais força do que se o seu parceiro fosse um ser humano. Não é apropriado treinar com força excessiva quando seu parceiro é uma pessoa, você deve usar esse tempo para desenvolver linhas corretas, limpas e afiadas.

O Ueshiba Sensei chegou a falar com o senhor sobre Daito-ryu ou Onisaburo Degushi?


Ueshiba Sensei falava sempre com muito respeito sobre seus professores, incluindo Takeda Sensei e o reverendo Onisaburo Degushi. O que me lembro claramente sobre seus discursos a respeito do Daito-ryu, é que ele o considerava um excelente método de treinamento. Após seus treinos, O-Sensei retornava com freqüência para o dojo e conversava sobre diversos assuntos.


Soube que Ueshiba Sensei falava sobre religião, especificamente sobre a religião Omoto…


Sim, e às vezes eu entendia perfeitamente o que ele estava dizendo, enquanto outras vezes me deixava completamente confuso. Mas ele também nos disse, “Isto é apenas a minha maneira de falar, eu quero que cada um de vocês interprete o que digo da sua própria maneira, explorem isto profundamente e transmitam isto em palavras apropriadas para os novos tempos”.


O aikido é mais proveitoso para a humanidade do que se possa crer, mesmo sob a ótica de alguém como eu que se especializa em aikido. Em 1952, após a minha formatura da universidade, todos os meus amigos ficaram surpresos com a minha decisão de me especializar em aikido, provavelmente porque foi tão perto do fim da guerra. Mas para mim, o aikido de Ueshiba Sensei abrange toda a essência da cultura japonesa e eu enxergava nesta arte algo que poderia ser muito importante para o Japão no futuro.


Na verdade, o aikido parece ter se estabelecido com mais solidez na Europa do no que no Japão. De qualquer maneira, para começar algo do zero, dentro de um novo contexto cultural, o treinamento de aikido se torna impossível sem uma clara compreensão do que seja o aikido e quais sejam suas metas de treinamento. Sem estes requisitos, seria como pular num trem sem saber sua direção ou destino. Em outras palavras, é importante traçar uma direção clara para os treinos de aikido desde o inicio. Quanto a decidir sobre métodos de treinamento, seria impraticável pedir a pessoas que querem treinar duas a três vezes por semana que treinem da mesma forma que as pessoas que querem treinar várias horas por dia. Parece-me adequado que cada um treine dentro do contexto de seu dia a dia. Porém, aqueles que desejam se tornar especialistas ou que querem explorar o aikido profundamente, precisam traçar um plano de onde estão indo e como irão fazer para chegar lá.


No All Japan Demonstration


Não posso dizer o que é certo ou errado sobre métodos de treinamento. A maioria dos artistas marciais não está numa posição de ficar criticando as técnicas dos outros, pois em muitos casos, uma pessoa que aparenta ser fraca pode acabar demonstrando uma força extraordinária.


Poderia nos contar sobre sua organização na Itália?


O nome official do Itália Aikikai é L’Associazione di Cultura Tradizionale Giapponese (Associação de Cultura Tradicional Japonesa), e é reconhecida como uma organização oficial pelo Ministério da Cultura Italiano. Como o nome sugere, o aikido é praticado ali como uma forma de cultura tradicional. É evidente que o que eles fazem ali é diferente de qualquer prática esportiva. Acho que seria difícil para um japonês morando no Japão entender esta situação. Ou seja, eles praticam o aikido como uma forma de “meditação em movimento”. Em paises como Itália, Suíça e Alemanha, a frase “ki no renma” (cultivação do ki) está sendo usada no seu sentido original, em japonês.




fonte: http://www.aikidojournal.com/article?articleID=88&lang=br


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