sábado, 19 de setembro de 2009

Hakama




O hakama, que nesta imagem pode parecer uma saia, é na realidade um par de calças largas, que se usam sobre o Keikogi. Os hakamas são usados hoje em dia em ocasiões formais, mas também usados na prática das artes marciais tradicionais como o Aikido, o Kendo, o Iaido ou o Kyudo. É uma peça tradicional da roupa do samurai. O equipamento usado no Aikido, assim como em muitas outras artes marciais era, inicialmente, considerado roupa interior. A sua utilização é parte da tradição da maior parte das escolas de Aikido.

O hakama foi originalmente concebido para proteger as pernas dos cavaleiros samurais japoneses de arbustos e de galhos que lhes causavam incómodo enquanto cavalgavam, tratava-se de umas calças tipo saia feitas de um material resistente e por conseguinte algo pesado. Mesmo depois da classe samurai se ter tornado numa classe de guerreiros pedestres, insistiram em manter o hakama vestido pois tornava-os facilmente identificáveis.

Havia no entanto vários estilos de hakama. O tipo usado actualmente pelos praticantes de artes marciais é chamado "joba hakama" e tem uma divisão, como umas calças. Um outro estilo utilizado era um género de saia - sem divisão para as pernas e o terceiro tipo era uma versão mais longa do segundo. Era utilizado nas visitas ao Shogun ou ao Imperador. Este hakama tinha cerca de um metro e meio de comprimento e era dobrado várias vezes, de forma a ficar enrolado entre os pés do visitante. Este estilo fazia com que fosse pouco provável que eles levassem uma arma (os servos do Shogun é que vestiam os visitantes) e além disso, como para a audiência com o Shogun era necessário estar sentado na posição Shikko (de joelhos) evitava que o visitante se pudesse levantar rapidamente para atacar.

Em algumas escolas, apenas os praticantes acima de 1º Dan usam hakama, enquanto que noutras se usa desde a primeira vez que se pisa um tatami. Em alguns lugares, as mulheres podem usar o hakama antes dos homens - normalmente atribuí-se este facto à modéstia da mulher e também porque, convém relembrar, o Keikogi era considerado roupa interior. O’Sensei queria que todos os seus alunos usassem hakama, mas há que ter em conta que ele provém de um tempo e cultura onde esta vestimenta ainda fazia ainda parte do hábito formal dos japoneses.

«Embora fosse obrigatório o uso do hakama, a maior parte dos estudantes eram demasiado pobres para comprar um. Então, se não conseguissem arranjar o hakama de um parente mais velho, rasgavam a cobertura de um colchão velho, cortavam-na, tingiam-na e entregavam-na a uma costureira para que ela transformasse aquele pano num hakama. Como apenas conseguiam comprar tinta barata, depois de algum tempo de uso, os padrões coloridos do colchão começavam a sobressair... e o material do pano (normalmente lã) desgastava-se rapidamente...»

Sensei Morihiro Saito , numa entrevista sobre o hakama no tempo do O’Sensei

« Enquanto fui aluno de Ueshiba, era obrigatório o uso do hakama para poder praticar; éramos obrigados a vesti-lo desde a primeira vez que pisávamos o tapete. Não haviam restrições ao tipo de hakama que se podia utilizar e portanto, o dojo era sempre um local muito colorido. Viam-se hakamas de todos os feitios, de todas as cores e materiais; desde o hakama de Kendo, ao hakama com listas usado na dança tradicional japonesa, e até ao caro hakama de seda a que chamamos "sendai-hira". Imagino que alguns iniciados tenham ganho o mau hábito de pedir emprestado o caríssimo hakama dos avôs, destinado apenas para ocasiões especiais e cerimónias, e a arruiná-lo na prática do Suwari waza. Recordo-me vivamente do dia em que me esqueci do meu hakama. Preparava-me para entrar no tapete para começar a praticar, apenas com o meu Keikogi, quando O’Sensei me interpelou. "Onde está o teu hakama?" perguntou-me seriamente. "O que te faz pensar que podes receber os ensinamentos do teu professor usando apenas a tua roupa interior? Não tens senso de moral? É óbvio que te está a faltar a atitude e o comportamento necessário àquele que segue a prática do Budo. Senta-te lá fora e observa a aula!"

Esta foi apenas a primeira repreensão de muitas outras que viria a ouvir de Ueshiba. Contudo, a minha ignorância nesta ocasião levou O’Sensei a explicar aos seus alunos, depois da aula, o significado do hakama. Disse-nos que o hakama era a farda tradicional dos estudantes de Kobudo e perguntou-nos se algum de nós conhecia a razão das sete dobras do hakama. "Elas simbolizam as sete virtudes do Budo" disse O’Sensei. "Estas são jin (benevolência), gi (honra ou justiça), rei (cortesia e etiqueta), chi (sabedoria, inteligência), shin (sinceridade), chu (lealdade), e koh (fé). Encontramos estas qualidades nos samurais que se distinguiram no passado. O hakama leva-nos a reflectir acerca da natureza do verdadeiro Bushido. Usá-lo simboliza um leque de tradições que nos têm sido transmitidas de geração em geração. O Aikido nasceu do espírito do Bushido do Japão, e na nossa prática devemos lutar para manter as sete virtudes tradicionais acesas."

Actualmente, a maior parte dos dojos de Aikido não segue a política rigorosa de O’Sensei sobre o uso do hakama. O seu significado foi degenerado de um símbolo de virtude tradicional para o simples estado de ser Yudansha (praticante de graduação Dan). Tenho viajado a muitos dojos em muitas nações. Em muitos lugares, apenas os Dans usam hakama... e muitos deles perderam a sua humildade. Vêm o seu hakama como um prémio para o seu ego, como o símbolo visível da sua superioridade. Este tipo de atitudes tornam o cerimonial de saudação a O’Sensei, com que se começa e termina cada aula, uma ridicularização da sua memória e da sua arte. Pior ainda, em alguns dojos, as mulheres com nível Kyu (e apenas as mulheres) são obrigadas a utilizar hakama, supostamente para preservarem a modéstia. A meu ver, isto é um acto insultante e discriminatório para as mulheres aikidokas. É igualmente insultante para os homens aikidokas, pois fá-los assumir uma inferioridade mental em relação às mulheres que não tem lugar no tapete do Aikido. Ver o uso do hakama cair a um nível tão ordinário entristece-me. Pode parecer um aspecto muito vulgar para algumas pessoas, mas eu lembro-me perfeitamente da grande importância que Ueshiba dava ao uso do hakama. Não posso esquecer o significado desta peça de roupa e penso que ninguém consegue refutar o grande valor das virtudes que ela simboliza. No meu dojo e escolas associadas, encorajo todos os alunos a usar hakama qualquer que seja o seu nível ou grau (embora não o requeira antes deles obterem a sua primeira graduação, visto que nos Estados Unidos não temos normalmente avôs japoneses a quem possamos pedir um hakama emprestado). Sinto que o usar o hakama e o conhecer o seu significado ajuda os alunos a terem consciência do espírito de O’Sensei e a manterem vivas as suas visões.

Se podemos permitir que a importância do hakama desapareça, talvez comecemos a permitir que coisas fundamentais ao espírito do Aikido deslizem para o esquecimento. Se, por outro lado, temos fé nos desejos de Ueshiba acerca do traje de prática, talvez os nossos espíritos possam ficar mais receptivos ao sonho a que ele dedicou a sua vida."

Sensei Mitsugi Saotome, in "The Principles Of Aikido"

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