terça-feira, 24 de novembro de 2009

KARATE SENTE NACHI

NÃO EXISTE O PRIMEIRO ATAQUE NO KARATE

-Acredito que se substituirmos a palavra Aikido por Karate neste texto, muitos aikidoistas se conscientizarão do porque é preciso praticar um aikido vigoroso e eficiente como defesa pessoal para que ele possa construir um espirito forte. Procuramos treinar e recomendar o treinamento marcial buscando a marcialidade, mas como ferramenta de iluminação espiritual. A propósito....todo verdadeiro Budo (Caminho Marcial Japones) é assim desde que corretamente praticado.


Presidente John Adams em "Não existe um primeiro ataque “
por Jeff Brooks -Fonte Aikido journal.
Tradução - Jaqueline Sá Freire (Instituto Takemussu - Hikari Dojo – Rio de Janeiro)


No livro "John Adams" de David McCullough, uma biografia do segundo presidente dos Estados Unidos, podemos observer a vida de Adams enquanto ele percorre muitos caminhos, como advogado, fazendeiro, professor, revolucionário, orador, membro do primeiro Congresso Continental e, eventualmente, presidente. John Adams viveu em um mundo em que a Guerra e a ameaça de Guerra eram fatos normais da vida. A forma como ele lidou com este conflito marcial há 200 anos atrás tem lições relevantes para nós, como artistas marciais do século 21.
No livro, McCullough escreve:
Uma manhã, observando suas netas, Susanna e Abigail, assoprando bolhas de sabão com um de seus cachimbos de argila, Adams percebeu a “lição alegórica” da cena. Adams escreveu: "elas enchem o ar da sala com suas bolhas, seus balões de ar, que rolam e brilham refletindo a luz da lareira e das velas, e que são muito bonitas. Elas não poderiam ser um símbolo mais perfeito dos cenários político e teológico da vida humana. Só a moralidade é eterna! Todo o resto são balões e bolhas, do berço ao túmulo”.
Adams, que tinha sido um derrubador de poderes e então era um homem velho, refletiu sobre a impermanência dos fenômenos da vida. Quando praticamos artes marciais, mesmo ao nos prepararmos para o conflito, nos preparamos para encarar as necessidades da vida, não devemos esperar até a idade madura para refletirmos sobre o que é que realmente durará. Devemos indagar o que realmente vai afetar a qualidade de nossas vidas e das pessoas que tocamos. Posso dizer que pelo meu ponto de vista e pelo ponto de vista de John Adams, o importante não é a acumulação de poder em si, nossas graduações, títulos, troféus ou conhecimento. O que importa é a qualidade da energia, a determinação, o cuidado e gentileza, o foco, a auto-maestria, auto disciplina e a decência que incorporamos e passamos adiante para as pessoas a quem ensinamos e com as quais praticamos. Se nossa influência sobre esses assuntos for boa, ela permanecerá quando nós e as pessoas que conhecemos não existirmos mais, talvez po r gerações.
Para John Adams isso não era uma questão de filosofia abstrata. Ele se preocupava seriamente com a auto-defesa durante seu tempo na presidência. O princípio político que ele seguia a nível nacional me lembrou do principio do "karate ni sente nashi" (Não existe primeiro ataque no karate), o que seguimos no karate-do.
Durante seu tempo na presidência, a posição de John Adams sobre a defesa nacional era combatida por ambos os lados do espectro político. Dos dois partidos que se opunham a ele, um grupo defendia grandes gastos na defesa nacional e a ida imediata à guerra. O outro partido se opunha ao gasto com defesa e à ida a guerra. Adams tinha sofrido de primeira mão a Revolução Americana, e sabia o que significava uma luta. Ele acreditava que, sob as circunstâncias, a fraqueza tornava o ataque inevitável. Ele apoiava uma forte defesa nacional ao mesmo tempo em que lutava com todas as forças para evitar a guerra. Mas a posição de Adams prevaleceu e ele provou que estava certo.
Esta é uma boa demonstração do principio, familiar aos muitos praticantes do karate tradicional de Okinawa, do "sem ataque inicial" – ao treinar com constancia e atenção. “Sem ataque inicial" não é uma questão de pacifismo ou de passividade. É a prática da estratégia marcial e da moralidade ao mesmo tempo.
Parece claro que aos 90 anos a visão de John Adams sobre a impermanência das coisas e a resistência da virtude foi possível devido à forma como ele viveu sua vida. Ele foi vigoroso. Por fim sua mente estava em paz. No final de sua vida ele não remoia rancores, não temia o declínio de suas forças nem buscava um lugar na história. Ele era capar de distinguir o que era importante do que não era. Ele foi corajoso e forte. Sua mente era clara. Ele era capaz de compreender o que duraria e o que desapareceria.
Sua habilidade para obter este grau de clareza e compreensão foi o resultado da forma como ele viveu. É difícil para nós vermos como nossas ações do corpo, da mente, e das palavras (o termo técnico, do sânscrito, é nosso "karma") influencia a qualidade de nossa compreensão. Mas se olharmos atentamente veremos que nossas mentes condicionam nossas escolhas, a qualidade de nossas vidas e o impacto que temos sobre outras pessoas.
Por isso é útil compreendermos a fundamentação física do treinamento mental no karate. A idéia de "treinamento mental" no karate envolve um conceito muito mais amplo de mente que o que normalmente usamos no ocidente, em que a mente e o corpo normalmente são separados um do outro. Compreender a fundamentação física do treinamento mental do karate nos ajuda a explicar a relação entre a forma como nosso treinamento físico condiciona nossa mente, a e forma como isso influencia a maneira como tomamos decisões em situações de conflito ou não. Isso nos dá uma visão sobre a importância do principio do “sem ataque inicial”.
Quando usamos a palavra "mente" nos referimos a funções mentais muito diferentes. As que são importantes para o treinamento mental do karate incluem: a ligação entre nossos sentidos, mente e músculos, sensação, categorização, conceituação, cognição, cálculo, reflexão, percepção, atenção, compreensão, emoção, percepção (compreensão da própria atividade mental), estabilidade mental, clareza, noção de si, orientação filosófica, conhecimento, força de vontade, intenção, mente-acima-do-pensamento e compreensão da realidade... E todas estas coisas normalmente são amontoadas sob termo "mente.”.
Todos estes aspectos da mente possuem fundamentação física, e são todos susceptíveis a mudanças positivas através do bom uso do corpo. Isso apenas é lógico porque na realidade o corpo não é separado da mente. Eles estão integrados, e agem em conjunto.
Assim, na prática das artes marciais nem a “busca do conhecimento” nem a repetição mecânica dos movimentos serão suficientes para tornar suas capacidades de defesa mais eficientes, nem aprofundarão seu desenvolvimento como ser humano.
Na pratica do karate temos que saber o que estamos buscando, adquirir os meios que nos levarão adiante e seguir em frente. Devemos ser pacientes e firmes em nossos esforços. Devemos ser sempre escrupulosos ao examinar nossas motivações, nossos métodos e os resultados que estamos atingindo. Não devemos ser desviados, intimidados ou atrapalhados. Assim podemos esperar terminar o trabalho antes que o tempo termine. Isso é treinamento mental tanto quanto treinamento físico.
Com este alto grau de tenacidade e de atenção descobriremos o propósito do karate. Então poderemos usá-lo quando uma emergência ou as circunstancias exigirem – de um ponto de vista estratégico, como o de Adams, ou em nossa própria doutrina de “sem ataque inicial”.
Se o propósito do treinamento em artes marciais fosse principalmente matar, você poderia pular o trabalho e arranjar algum TNT. Se fosse apenas para se manter em segurança, você poderia arranjar um bunker e uma roupa de Kevlar. Se fosse principalmente para manter viva a arte que as pessoas de Okinawa praticavam há séculos, estaríamos carregando facas na cintura e enfrentando piratas Javaneses no Estreito de Malucca, de pé na proa de nossos navios.
Em um nível nacional, os pensamentos de John Adams sobre a defesa nacional estavam corretos para a sua época. A um nível pessoal, a habilidade em auto-defesa nos ajuda a cumprir nossas obrigações para com nós mesmos, nossas famílias e nossas comunidades. Livrar-nos e aos outros do medo, do sofrimento e da morte é uma grande obrigação, uma tarefa urgente e difícil. Exige que cuidemos de nossos corpos e mentes, que pratiquemos até o limite de nossas capacidades. Exige que transformemos nossos corpos e mentes comuns em algo que é profundamente e completamente humano. E não podemos desperdiçar tempo. Recebemos as ferramentas. Às vezes elas parecem simples demais Às vezes parecem tão maravilhosas como se estivessem fora do alcance. Mas nós as possuímos, como praticantes. Devemos usá-las bem.
Cada estágio é importante. Nenhum deve ser negligenciado: (a) ficar forte, flexível e saudável. (b) Regular seu corpo e a respiração. (c) Estabilizar e clarear a mente. (d) Criar relacionamentos generosos. (e) Servir às pessoas que precisam de você. (f) Ser um mestre de defesa-pessoal. Então você será destemido. Então você saberá o que está defendendo. Você saberá como melhor defender. Você poderá usar bem sua gentileza e sua força. Você poderá ser forte sem ser “militar”, e pacífico sem ser passivo.
A propósito, da mesma forma que aconteceu com o presidente que foi forte e pacífico, pode acontecer que seus esforços e suas boas qualidades, como um praticante sério, não sejam apreciadas. Pessoas poderão ficar no seu caminho e lhe criar dificuldades. Você poderá se sentir solitário. Se você for provocado para ficar irado, não fique. Continue fazendo o que é certo. Assim, no fim do dia, ou no fim da vida, verá que o que você fez é bom e permanecerá.
Jeffrey M. Brooks é um faixa preta Go Dan (quinto grau) de Matsubayashi Shorin Ryu, treinando em Okinawa, Japão, e nos Estados Unidos, com Shoshin Nagamine, o fundador do estilo, Takayoshi Nagamine, seu sucessor, e com muitos outros da linha do Matsubayashi Ryu e das tradições chinesas relacionadas. Faz seus estudos sobre o Budismo e a prática com o Rev. Issho Fujita, diretor residente do Valley Zendo e com Geshe Michael Roach do Asian Classics Institute. Ele tem a graduação de M.F.A. da NYU Film School e trabalha como escritor de discursos para pessoas públicas. Ele é o fundador e diretor do Northampton Karate e do Northampton Zendo em Northampton, Massachusetts, dando aulas diárias para adultos e crianças desde 1988. (www.northamptonkarate.com)
http://www.northamptonkarate.com
Fonte do Artigo: http://www.martialartsarticles.com

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