quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A ORIGEM DO CONCEITO DE BUSHIDÔ E BUDÔ PARTE II




Os dons do guerreiro não são inatos: ele deve saber reconhecê-los e desenvolve-los através de um longo e cansativo aprendizado. Com musha shugyô se indica a busca e a disciplina do bushi que freqüentemente, nos tempos antigos, empreendia viagens de treinamento estudo para se confrontar com outros entendidos nas artes do combate, levando uma vida austera, em busca da perfeição técnica e – em alguns casos, mas nem sempre – moral. Porem, o caminho do budoka não pode se iniciar sem um guia: o mestre é indispensável. Na tradição japonesa o papel do instrutor (sensei, literalmente “aquele que nasceu antes” e que, por isso, está adiantado no processo de busca) é fundamental, e existe um apego às vezes até exagerado à sua figura e autoridade. O ensino tradicional é veiculado não tanto pelas palavras quanto pela demonstração prática de técnicas, ações e posicionamentos baseada na capacidade de intuir do aluno. 
Depois de anos de intensa prática com o mestre, o treinamento a partilhar os segredos e a se tornar depositário da tradição: a transmissão (den) da arte coincide com o crescimento do indivíduo, que, por isso, deverá sempre honrar a ajuda e os cuidados de seu mestre. A atenção conferida aos gestos, ao seguir a forma correta (kata) e ao apropriado código de comportamento (a “etiqueta”, rei) ensinados pelo mestre deriva da concepção nipônica segundo a qual entre forma e conteúdo há uma conexão intima: um modelo correto deve dar vida a um espírito e uma intenção corretos. 
O ensinamento inspira um percurso existencial que visa formar um indivíduo melhor, não só como perito em um setor particular. As etapas da instrução são o desenvolvimento harmônico do corpo (shin), da técnica (waza), para chegar à compreensão das dinâmicas do ki, a energia interna, o sopro vital que permite dispor de uma reserva energética bem mais eficaz que o simples poder muscular. Saber controlar o ki significa conseguir harmonizar-se com o universo, “perceber sua respiração”. 
Por fim, o ápice da compreensão da “maestria” consiste em atingir a iluminação, o “despertar” a própria consciência sobre a natureza das coisas. Como o discípulo budista, o bushi chega – em seguida ao seu exercício entre a vida e a morte -  a reconhecer a natureza da “vacuidade” própria de cada elemento do real. O vazio intenso, neste sentido, não indica anulação pura, mas a máxima potencialidade, e a possibilidade da verdadeira relação consigo e com o outro.          

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